"Comecei a conviver mais com meu pai, a partir do início de entendimento da vida. Lembro de muitas coisas em tenra idade. O episódio do feijão no nariz e a foto para a carteira do IAPFESP (o INSS do Pai). Mas começar a aprender coisas, vivenciá-las, participar, só após os 10 anos. Daí até os 17 anos, fui companheiro destacado pela mãe e irmãs, para acompanhá-lo nos horários fora de escola, dia e noite. Foram muitas tardes de várias chaleiradas de chimarrão e muitos domingos em que assessorei meu pai nos churrascos domingueiros. Por que isso marcou tanto? Acredito que pelos muitos ensinamentos passados por ele que me ajudaram a encarar a vida de um modo inquisitivo, investigativo. Aos 10 anos fiz uma calçada de tijolos, ao lado de minha casa que até bem pouco tempo ainda existia, a mais de 50 anos...Olhando, vendo com olhos de ver, perguntando, inquirindo e aprendendo..."
Esse trecho coloquei em uma postagem sobre os churrascos que ele tão bem fazia e que era motivo de festa entre nós, já que não era a miúde que acontecia.
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http://blogdobentinhochurrasqueiro.blogspot.com.br/2011/07/o-churrasco-que-meu-pai-me-ensinou.html )
Normalmente sisudo, sem muitos risos, sem muitos abraços, com ordens no olhar, falava pouco, o suficiente para ser entendido. Depois no período em que fui seu escudeiro na sua doença, parece que queria tirar o atraso e foram tantos causos, histórias, ensinamentos e apoios numa loquaz profusão de coisas que foram balizas para mim na minha vida. Senti-me privilegiado frente aos meus irmãos que, quase com certeza, não conheceram esse seu lado.
Não era infalível. Tinha muitos defeitos. Alguns, na época, não eram defeitos. Machista ao extremo, teve algumas aventuras "por fora" do casamento o que criou algumas birras com a mãe. Apesar da ascendência afro demonstrada nos seus cabelos, herdada de meu avô, era racista em conceito, mas tinha muitos amigos que se levasse em consideração os seus conceitos, não seriam seus amigos.
Da mãe, castelhana uruguaia, herdou e transmitiu aos meus irmãos a facilidade para música. Meu irmão tirava música de qualquer instrumento. Minhas irmãs, afinadinhas para o canto, tocavam órgão na Igreja Metodista. Para mim coube somente uma boa afinação na voz e o tom amorenado da pele e cabelos.
Dois ensinamentos fizeram com que eu conseguisse, mesmo sem estudo completo, galgar posição de destaque em meus empregos. Um foi o senso de justiça. Procurar sempre o equilíbrio nos julgamentos e ações. Outro a busca pela execução correta das tarefas a mim confiada. Dizia: " Se tiveres que fazer alguma coisa, essa coisa merece ser bem feita!". Como exemplo cito a calçada que com um sorriso de desdém me desafiou a fazer. No início, tive que desfazer muitos pedaços pois não estavam corretas. Porém no final da "obra" o elogio do serviço bem feito. Tanto que dura quase seis décadas. Quando minha mãe me falou que o pai não podia refazer o forno de barro e eu me prontifiquei a fazê-lo e o fiz sem que ele soubesse (chegava sempre à noite e saía cedinho). Ao ver a obra pronta, mas como aprendeste a fazer? Te observando, respondi. Não disse nada, só passou os braços por cima dos meus ombros, num tímido abraço.