Ela vem devagar, quase imperceptível, mansamente! O primeiro
“sintoma” é o novo ânimo para tudo: caminhar, passear, sair da introspecção,
com pensamentos melhores sobre o mundo, com outro olhar sobre ele e nessa
mudança, mais agilidade, mais sangue circulando, mais amor para dar, mais
vontade de receber amor, mais atento à parceira com mais carinho! Não que só
goste do calor das outras estações, mas o inverno nos deixa mais dentro da
casca, mais elitistas com compromissos sociais, quase interlocutores de nós
mesmos. Talvez sinta mais essa mudança, que outras pessoas, por ter nascido nos
estertores do inverno de 1946 e logo após o término oficial do conflito
mundial.
Sinto a primavera chegar com o desabrochar em câmara lenta
dos brotos das árvores colorindo de tênue verde as pontas dos galhos das
árvores caducas! Contrastam com o verde emburrado das que teimam em não se
despir no inverno! As mais sirigaitas pensam logo em perpetuar a espécie e
antes de vestirem-se com folhas novas reluzentes, enfeitam-se com flores
chamativas para o desenlace com os seus insetos preferidos. Logo milhares de
sementes irão brigar pela vida em locais cada vez mais escassos.
Salpicando de um
lilás vibrante a mata verde, os ipês roxos deixam mais belas as paisagens das
montanhas que me cercam! As pitangueiras floridas, assim como os pessegueiros e
as laranjeiras, nos dão conta que teremos frutas abundantes para saciar a
saudade da infância. Colhê-las no pé e degustá-las como os passarinhos fazem.
Ah, os passarinhos se fazem de arautos da nova estação e nos
acordam com seus trinados bem afinados, numa profusão de sons, que mesmo sem
partitura, criam uma linda canção primaveril! E começam a azáfama de todos os
anos: escolher lugar para ninhos,
construí-los e povoá-los. Outro dia um casal de pombas do mato, visitantes
contumazes do fio elétrico da minha casa, sem a menor cerimônia, arrulharam,
dançaram a dança do acasalamento e, pasmem, sem o menor pudor, acasalaram bem
na minha frente! Fiquei extasiado expiando, num voierismo consentido, recebendo
a mensagem: faça também, é tempo de renovação, toda a natureza se renova, troca
o velho pelo novo, o pai pelo filho... Só assim dei-me conta que sou velho e
devo assistir a minha renovação nos meus descendentes...
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